domingo, 28 de outubro de 2012

Era o quarto confidente



Durante os meses que se passavam, cheios de suor e gotas de vida, colchões esparramados e paredes esfumaçadas, o devir de almas estava ali. Leny passara, então a respirá-las. 
I need your love, I need your love, era a canção que ecoava quando sentava sua existência dentro da caixa de mortos. Fúnebre tesouro dos que passaram instantes, momentos, gozos e lágrimas. 
Hoje, após o almoço, quando Tom se despediu e subiu desenfreadamente para fazer a cesta; Leny permaneceu intacta. Hipnotizada e cheia de fumaça, Leny parecia estátua viva, moribunda de olhos abertos e ressacados. Era a visão. Sem nem imaginar o porquê de tantas situações constipadas, de conta-gotas de felicidade falsa, ela mergulhou na visão. Ficou horas sentada na cozinha que o sol já nem estava mais em casa. Nada de martelos e olhares inseguros, nada de faíscas dilacerantes, nenhuma sensação de peito cheio. Era ar. Era sede e fome. Sem cócegas, sem suspiros, agora era só enxergar.
Tom, nem pensou em acordar Leny, tinha medo de que ela pudesse com o susto do despertar, nunca mais poder voltar a ser o que era. E era certo isso. Não poderia deixar sua cinderela presa em uma cadeira, mirando outro mundo no escuro a noite toda. Entrelaçou-a nos braços fortes e grandes, e subiu as escadas que rangiam a delicadeza dos seus passos, cuidadosamente, para não despertar sua donzela. Acendeu o abajour de luz azul e apagou a vela de sete dias com um sopro estúpido. Deitou Leny nos nos colchões que estavam no sóton durante meses, cheios de poeira e liberdade. 
Mais parecia um funeral com um cadáver vivo, adormecido, que uma garota embriagada num sono profundo. Com cheiro de vela apagada, era um aniversário que se ganhava. Leny não gostava mesmo desse dia libertador. A cada ano que fazia, encontrava mais ainda vontade de ser árvore, imóvel e existente. Talvez  porque era isso que lhe era prometido, num futuro mais que certo. Ser e estar.

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